quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Como o corpo paga pela sua relutância em aceitar a incerteza

   Entre nós, humanos, há ainda a acrescentar a consciência, ou a confiança, de que também podemos influenciar uma situação perigosa e suavizar o stress da insegurança. Isso explica a razão pela qual alguns amantes da velocidade, que adoram conduzir uma potente mota na auto-estrada a 200 km/h, temem o risco, bem menor, de morrerem num desastre de avião: a moto são eles próprios que conduzem, enquanto no assento do piloto se encontra um estranho.
   Mas o modo como sentimos as surpresas também tem muito a ver com as circunstâncias: durante as férias, por exemplo, estamos muito mais predispostos a aceitar algo de inesperado do que durante o dia-a-dia. Mesmo uma mudança de pneu, que em casa nos faria "ir aos arames", pode transformar-se numa experiência excitante, que anos depois ainda gostamos de recordar.
   E, finalmente, cada indivíduo suporta os riscos de maneira diferente. Muitos nem sequer se atreveriam a subir para o assento de uma moto. Provavelmente, as razões pelas quais tendemos a evitar as incertezas ou, pelo contrário, apreciamos um certo confronto com o perigo são, sobretudo genéticas. Em todo o caso, estudos realizados por psicólogos do desenvolvimento revelam que as crianças que evitam, de forma manifesta, o desconhecido, ou que, pelo contrário, o procuram, se comportam também depois, na idade adulta, da mesma maneira: o temor perante o risco e a curiosidade parecem ser das características mais estáveis da personalidade humana.
   Não obstante, em caso de dúvida, a reacção perante um perigo imaginado é sempre de mal-estar, não só porque a nossa percepção dos ganhos e dos riscos é, muitas vezes, deformada, como já vimos, mas também porque as emoções negativas tendem sempre a sobrepor-se às positivas. O receio perante tudo o que é incerto, com o qual a Evolução nos equipou, explica os duvidosos compromissos que as pessoas, dia após dia, não se cansam de assumir. Assim, muitos continuam a viver com parceiros que não amam, só pelo medo de não virem a encontrar um novo, ou uma nova companheira. Outros mantêm-se décadas num emprego que não os satisfaz, sem sequer ter experimentado, pelo menos uma vez, responder a um anúncio para um outro trabalho.
   E isso nem sequer são as maiores perdas que o medo programado nos pode infligir. Se esse medo toma conta de nós, passamos a viver num stress constante. E se um organismo estiver demasiado tempo, ou com demasiada frequência, sob o efeito das hormonas do stress, estas acabam por enfraquecer o sistema imunitário, prejudicar o cérebro e fomentar o surgimento de doenças do foro cardiovascular, as mais frequentes causas de morte nos países industrializados.
   Coube à psicóloga Sonia Cavigelli, da Universidade de Chicago, o mérito de nos mostrar que, de facto, o medo nos pode conduzir à morte, e que isso até nem acontece assim tão raramente. [...] podemos presumir que também nós não faríamos mal em desenvolver uma certa disponibilidade para o risco. Mesmo que uma pessoa por natureza assustadiça nunca se possa tornar temerária [...] nós sempre podemos abdicar, com o tempo, de uma boa parte do medo desnecessário. Cuidados excessivos prejudicam a saúde.
do livro, Como o Acaso comanda as nossas Vidas, de Stefan Klein

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